A Lei 11.340/06, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, representa um importante avanço no combate à violência doméstica contra a mulher.
Não se nega que o espírito da lei é importante, nobre e sim, necessário. Quem atua na área criminal sabe que os índices de violência contra a mulher são alarmantes, mas este não será o foco deste artigo.
Aqui não se pretende generalizar, entretanto, infelizmente também é assustador e alarmante o número de casos em que mulheres promovem falsas denúncias de violência doméstica com o intuito de “punir” o homem por diversos motivos, principalmente, por não aceitarem o término de um relacionamento.
Para se ter uma ideia da gravidade da situação, chegamos ao ponto de estar tramitando no Congresso Nacional o Projeto de Lei 6198/23 que visa alterar a Lei 11.340/06, para que passe a prever até dois anos de prisão para quem fizer falsa acusação de violência doméstica ou familiar contra cônjuge, companheiro ou parente até o 4º grau.
Inúmeros são os casos em que mulheres utilizam as medidas protetivas da Lei 11.340/06, não com o intuito de se proteger, mas sim de punir o homem.
Nessa semana, obtivemos uma sentença muito importante em um caso do nosso escritório, em que o cliente era acusado de descumprir medidas protetivas de afastamento, razão pela qual a prisão preventiva havia sido decretada.
O caso em si
Em meados de abril de 2024, fomos contatados pela família de um homem que acabara de ser preso ao ir buscar o filho junto a sua ex-mulher.
Ao nos dirigir à delegacia, tomamos conhecimento de que se tratava de um cumprimento de mandado de prisão preventiva, tendo em vista o descumprimento das medidas protetivas de afastamento decretadas em 2022.
Ao conversar com o acusado e sua família, percebemos que se tratava de mais um lamentável caso em que uma mulher estava utilizando as Medidas Protetivas como forma de vingança e punição a um homem pelo término do casamento.
O fato é que em 2022, essa relação conjugal acabou em razão de uma relação do acusado com outra mulher, com quem, inclusive, mantém relacionamento em união estável desde então.
A esposa, não se conformando com o fim da relação, registrou um boletim de ocorrência em 2022, alegando que o acusado havia agredido seu filho mais velho e a ameaçado, razão pela qual ela se sentia “psicologicamente agredida” pelo ex-marido.
O fato é que dessa relação advieram dois filhos, o mais velho maior e capaz e o mais novo, menor e portador de autismo.
Houve a concessão de medidas protetivas de afastamento, que vinham sendo renovadas desde então.
No mesmo ano (2022), o acusado ingressou com ação de divórcio e regulamentação de guarda, visita e alimentos, sendo consignada a existência de medidas protetivas de afastamento no tocante à ex-mulher.
No decorrer de dois anos, o acusado e a ex-mulher mantiveram contato regularmente, tanto de forma pessoal quanto por telefone e conversas de WhatsApp, sendo fato que em inúmeras oportunidades o denunciado foi pessoalmente buscar o filho menor junto à mulher, com a sua anuência.
O erro do acusado foi não ter buscado auxílio jurídico junto a profissionais da advocacia criminal, o que acarretaria em um dos acontecimentos mais injustos e traumáticos de sua vida.
Conforme dito anteriormente, a ex-mulher não se conformou com o fato de o acusado ter se apaixonado por outra e se divorciado, razão pela qual requisitou medidas protetivas de afastamento com falsas acusações, além de praticar alienação parental contra o filho em comum, portador de autismo.
Durante todo o período compreendido entre a concessão das medidas protetivas e o fatídico mês de abril de 2024, a suposta vítima manteve contato com o acusado, o procurando para pedir favores financeiros e até mesmo pessoais, como por exemplo pedindo que ele consertasse eletrodomésticos e levasse doces para ela quando fosse buscar o filho menor.
Contudo, ela nunca se conformou com a nova relação do acusado, sendo importante salientar que a relação extraconjugal foi determinante para o fim do casamento.
Em outras palavras, havia momentos em que ela se dava muito bem com o acusado e ignorava a existência das medidas protetivas de afastamento, ao passo que em outros momentos havia um descontrole emocional e ela ameaçava o acusado, impedia-o de ver o filho mais novo e (o pior) fazia a cabeça da criança contra o pai.
No mês de abril de 2024, o desequilíbrio emocional dessa mulher e sua necessidade de vingança culminaram na prisão de um inocente.
O momento da prisão e o deslinde do processo
Na tarde de um sábado no mês de abril, a mulher e o acusado se encontraram em um local público para a entrega da criança. Em que pese o acusado tenha buscado a criança pessoalmente no decorrer desses dois anos, no fatídico dia, ela se revoltou dizendo que quem deveria ter ido buscar o filho seria um parente do ex-marido, tendo em vista a existência de medidas protetivas de afastamento.
Além de o impedir de retirar o menor, a mulher resolveu chamar a polícia. Frise-se que todo o ocorrido foi registrado por vídeo, pelo acusado.
Enfim, a polícia chegou e o homem foi recolhido à prisão.
A prisão ocorreu tendo em vista o fato de que dias antes, ela havia registrado um boletim de ocorrência alegando que o ex havia descumprido as medidas protetivas, tendo supostamente perseguido ela em seu ambiente de trabalho.
Por essa razão e em que pese os frágeis indícios de autoria delitiva (que se limitavam a prints de conversas de WhatsApp entre a mulher e uma amiga de trabalho), a delegada representou pela prisão preventiva do acusado, o que foi acolhido pelo magistrado, com a anuência do Ministério Público.
Antes mesmo do recebimento da denúncia e da resposta à acusação, a defesa apresentou uma manifestação esclarecedora sobre os verdadeiros motivos que levaram à prisão do acusado, juntado um farto acervo probatório aos autos, que iam desde conversas entre as partes até fotos, vídeos, áudios e comprovantes de pagamento.
Naquele momento, era evidente que não havia crime, tendo em vista a revogação tácita da medida protetiva, visto que a mulher havia concordado com a aproximação do acusado em diversas oportunidades.
Tudo estava claro, cristalino e após o protocolo da manifestação e documentos, a defesa despachou virtualmente com o magistrado, pugnando pela revogação da prisão preventiva e peja rejeição da denúncia por ausência de justa causa para a ação penal.
Problema resolvido, certo? O réu foi solto, não é óbvio?
Infelizmente, não.
O juiz rejeitou o pedido de revogação da prisão preventiva e recebeu a denúncia, em uma decisão totalmente genérica e desprovida de fundamentos.
Houve a impetração de um habeas corpus com pedido liminar.
Pugnamos pelo despacho com o desembargador, que simplesmente nos ignorou e, adivinhe? Rejeitou a liminar.
A defesa apresentou resposta à acusação, reiterando as teses preliminares e pugnando pela absolvição sumária do acusado, com fundamento no inciso I do artigo 397 do CPP, visto que a defesa entendia que a renúncia tácita da vítima representava nítida hipótese de excludente de ilicitude supralegal.
As preliminares foram afastadas, o pedido de absolvição sumária negado e a audiência de instrução, debates e julgamento designada para o mês de julho de 2024.
O réu, flagrantemente inocente, completou três meses de prisão.
Chegado o momento da audiência, a pretensão acusatória do Ministério Público foi julgada improcedente, e a tese de excludente de ilicitude supralegal foi acolhida pelo magistrado, cuja decisão se fundamentou, basicamente, na petição e documentos juntados logo após a prisão do réu, aquela petição mesmo, apresentada antes do recebimento da denúncia e da resposta à acusação.
Festa, emoção, comoção. O réu voltou pra casa.
Quanto ao Habeas Corpus? Nunca foi julgado.
Mas isso (também) precisa mudar!
A urgência da implementação de um juízo preliminar de aferição dos requisitos mínimos para o recebimento da denúncia.
Tudo o quanto fora narrado anteriormente ocorreu por dois motivos, o primeiro é a falta de caráter da mulher que agiu para se vingar do homem (lembrem, o crime de adultério foi abolido do ordenamento jurídico brasileiro há praticamente dez anos), o segundo, pela burocracia desnecessária do processo penal brasileiro.
É por isso que autores como Aury Lopes Júnior e Alexandre Morais da Rosa vêm defendendo a necessidade de implementação da oralidade no processo penal, bem como de um juízo preliminar de admissibilidade da denúncia.
Se, por exemplo, durante a audiência de custódia houvesse o julgamento de admissibilidade pelo Magistrado no tocante à viabilidade do recebimento da denúncia, a defesa teria a oportunidade de expor toda a argumentação de forma a demonstrar que não havia possibilidade de desenvolvimento da ação penal e o acusado teria sido posto em liberdade na própria audiência de custódia.
Países como México e Chile já dispõem de algo parecido em seus respectivos processos penais, e isso é um avanço!
Entretanto, o Brasil insiste em um processo penal “de papel”, burocrático, engessado, em que o juiz, ao ouvir qualquer argumento pela defesa ou pelo indiciado durante a audiência de custódia diz “isso não é comigo! Só estou aqui para analisar a legalidade da prisão!”.
Errado, excelência, isso é contigo sim!
Esse é o verdadeiro papel do juiz das garantias! Ele é o fiscal do Poder Punitivo Estatal, mormente no que se refere à pretensão acusatória promovida pelo Ministério Público.
Na prática, esse descaso por parte do Poder Judiciário com a realidade dos fatos em detrimento da manutenção de um processo burocrático vem ceifando a liberdade e a vida de muitas pessoas inocentes!
E digo vida, pois quando o sujeito é preso, inserido no sistema penitenciário brasileiro, ele morre como cidadão todos os dias! Isso quando não morre dentro da cadeia, principalmente quando a prisão é injusta, levando o réu a cometer suicídio.
É chegada a hora de os juízes descerem do pedestal, do Monte Olimpo, de sua realidade alternativa, e de tocarem os pés no chão! Encararem a realidade de frente, nua e crua, tal qual ela é!
Pois no mundo encantado das citações, dos procedimentos estéreis do processo penal, da coisificação do réu, em que o ser humano perde a identidade e passa a ser número, as pessoas estão morrendo fisicamente e enquanto cidadãos!
A liberdade é ceifada e o juiz que deveria garantir os direitos fundamentais, vem garantido apenas o exercício indevido de um Poder Punitivo Estatal que está cada vez mais descontrolado.
A Lei Maria da Penha deve ser medida de proteção às mulheres, e não de punição aos homens!
Os homens também são vítimas de violência doméstica, as mulheres também são agressoras!
Mas o Poder Judiciário anda funcionando como garçom de um cardápio de medidas vingativas de conveniência à disposição de mulheres que pretendem punir os homens.
É verdade, os homens praticam violência doméstica contra as mulheres e isso precisa mudar.
Mas o fato é que os homens também são vítimas de violência doméstica e ninguém fala sobre isso. O Estado (principalmente as polícias, o Ministério Público e o Poder Judiciário) simplesmente ignora esse fato. A sociedade também.
Isso também precisa mudar!
Bruno Ricci - OAB/SP 370.643
Contato: (11) 99416-0221
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